A beleza dos "redondinhos" de Heliópolis
- Lincoln Reinert Chamberg
- 27 de ago. de 2019
- 3 min de leitura
Atualizado: 28 de ago. de 2019
Certa vez, ao ser perguntado em uma entrevista o que achava mais feio em São Paulo, o arquiteto e designer de móveis brasileiro Ruy Ohtake respondeu que: “A diferença entre r
icos e pobres”. Ao ser pressionado para ser mais específico, resolveu citar como exemplo o Morumbi e Heliópolis. Entendendo-se Morumbi como a parte bonita, traçou-se Heliópolis como o que há de mais feio em São Paulo. Tal mal-entendido levou João Miranda líder comunitário de Heliópolis, então presidente da União de Núcleos, a ligar para o arquiteto com uma proposta: ao invés de pedir explicações sobre a fala, pediu para que ajudasse a tornar Heliópolis mais bonita.
Ruy então começou a visitar a comunidade regularmente, desenvolvendo vínculos com habitantes da área e chegando mais perto de suas reais convicções e necessidades. Para quem conquistou grande parte de seu renome enquanto arquiteto com obras luxuosas, como palacetes na Avenida Brigadeiro Franco e o luxuoso hotel Unique, ver-se inserido em obras de cunho social muito mais prevalente foi uma mudança de rumo considerável, afirma que “Quando atua em programas sociais, o arquiteto tem que assumir duas atitudes: como técnico e como cidadão…”, ao longo de anos desenvolveu outros projetos para a área, como uma biblioteca e espaço cultural, além de uma iniciativa para a pintura das fachadas das casas da comunidade de acordo com a vontade dos moradores, mas seguindo um projeto cromático do escritório responsável. Tal relacionamento do profissional com a comunidade levou a, quando declaradas as intenções de construir um conjunto habitacional para abastecer e reurbanizar Heliópolis, que a população e líderes locais pedissem para que Ruy dirigisse o projeto da nova obra.
Ao projetar, Ruy teve forte influência de seus anos de trabalho junto à comunidade, o que levou a conceitos diferenciados na elaboração do complexo habitacional. Em uma das conversas, um membro da comunidade disse a ele que: “...mas Ruy, a gente não sabe morar em apartamento, vai acontecer disso”, fazendo referência à degradação dos corredores em conjuntos habitacionais já entregues, que se tornaram espaços para tráfico de drogas, prostituição e controle do crime organizado.
Tendo essa preocupação em mente, o chamado Residencial Heliópolis, que difere dos demais conjuntos entregues por iniciativas governamentais em mais do que apenas o nome, é composto por torres orientadas em torno de uma escada que a cada andar possui um hall de cinco por cinco, de onde se acessam os quatro apartamentos por pavimento (dois no térreo, destinados a idosos e pessoas com necessidades especiais). Assim, com circulação horizontal praticamente inexistente, e com a escada (circulação vertical) amplamente visível para pessoas em outros blocos e/ou fora das habitações, evita-se em muito a degradação destes espaços.
Ruy Ohtake, ainda não satisfeito, teria dito que tal forma não tem “graça nenhuma”, e que iria fazer os prédios redondos. Embora a escolha pela forma circular seja alvo de grande número de críticas, Ruy justifica que “ao fazer redondo, se tenho dois prédios, não posso encostar um no outro, tem que afastar. Ao afastar eu dou dignidade para todos os apartamentos, dou sol, vento e visão…”. Efetivamente, Ruy evita o que ele próprio se refere como “...plantação de alface”, ou seja, a massiva produção em série de habitações de interesse social sem apreço pela insolação e salubridade. Atualmente cerca de mil pessoas moram no já concluído Residencial Heliópolis, carinhosamente conhecido como “redondinhos”, que conta com um total de dezenove torres, cada uma com quatro pavimentos tipo contendo quatro apartamentos de cerca de cinquenta metros quadrados cada, somados a outros dois no térreo, totalizando trezentas e quarenta e nove unidades habitacionais.

Fontes:
https://blogdoims.com.br/desentendimento-ruy-ohtake-e-marcio-thomaz-bastos-respondem-a-criticas/
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